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Publicado em 26/09/2022 12:28h
A produção agropecuária tem enorme importância na geração de emprego e renda no Estado do Pará, onde cerca de 230 mil estabelecimentos em 144 municípios serão visitados pelos recenseadores que coletam dados para o Censo Agro 2017. O estado é grande fornecedor de mandioca, soja e dendê, e disputa com a Bahia a posição de maior produtor de cacau do Brasil. Mas, ao olharmos as estatísticas, há um setor bem específico que salta aos olhos: a criação de búfalos na Ilha de Marajó.
Localizada no norte do Pará, em uma área em que nem os pescadores sabem dizer onde termina o rio e começa o mar, a ilha concentra o maior rebanho de búfalos do Brasil. De acordo com a Pesquisa da Pecuária Municipal (PPM), do IBGE, o Pará contava com cerca de 520 mil cabeças (38% do total nacional) em 2016, das quais mais de 320 mil estavam na costa norte e nordeste da ilha. Só o município de Chaves concentra pouco mais de 30% do rebanho do Estado, cerca de 160 mil animais – para se ter uma ideia, o segundo município com o maior número de búfalos no Brasil é Cutias, no Amapá, onde havia pouco menos de 77 mil cabeças.
O município de Soure, que abriga uma das Agências do IBGE em Marajó, concentra o segundo maior rebanho da ilha (cerca de 74.500 cabeças) e é a capital turística da região. Quem sai do Terminal Hidroviário de Belém em busca de belas praias encontra por lá indícios de que o búfalo movimenta toda a economia local, da gastronomia ao transporte de cargas, e está presente em uma grande variedade de estabelecimentos. De acordo com João Paulo da Rocha, vice-presidente da Associação Paraense de Criadores de Búfalos, estima-se que 80% de todos os criadores do Estado sejam pequenos proprietários com até 200 cabeças, e o mesmo padrão pode ser encontrado na ilha.
A criação de búfalos não envolve apenas os pecuaristas, já que os animais fornecem carne, leite, couro e chifres para restaurantes, artesãos, queijeiros e outros tipos de estabelecimento. Em uma oficina de curtume na cidade, bolsas e calçados são vendidos após um processo que dura mais de dois meses e envolve o tratamento da pele, o tingimento com tinta extraída da casca da Árvore do Mangue e o alisamento do couro antes de ser trabalhado pelo artesão. Os animais são utilizados até mesmo pela polícia de Soure em suas patrulhas, algo que maravilha os turistas e tranquiliza os habitantes. Dóceis, os bichos pastam soltos pela cidade e não é raro encontrar moradores que criam um no quintal de casa.
Os criadores geralmente não se envolvem com a venda da carne, comercializando apenas os animais vivos para outros pecuaristas ou para compradores que promovem o abate em matadouros. Segundo Rocha, da APCB, os maiores consumidores da carne são os próprios marajoaras; Belém e outros municípios do Pará também são destinos comuns e, fora do Estado, constam Amapá, Maranhão e o Líbano como compradores frequentes. Em Soure, a maior parte do abate é realizada no matadouro municipal. “Eu só vendo meus animais, não trabalho com morte”, diz a criadora Eva Daher Abufaiad, que possui duas propriedades voltadas aos búfalos, uma delas herdada do pai, Elias Salomão Abufaiad, descendente de libaneses que começou o negócio da família no Marajó há mais de 70 anos.
Veterinária e agrônoma, a doutora Eva, como é conhecida em Soure, supervisiona a criação de cerca de mil animais em propriedades que somam dois mil hectares. A maioria é da raça Murrah ou Carabao, duas das quatro encontradas na Ilha do Marajó – há também a Jafarabady e a do Mediterrâneo, além dos mestiços. Ela também realiza inspeções no matadouro, cuida dos animais domésticos dos moradores de Soure e faz perícias a pedido de órgãos do Judiciário e da polícia para identificar búfalos roubados e encontrados em outras fazendas, geralmente no Amapá. Segundo Eva, os roubos são frequentes e causam prejuízo, mas não desanimam os criadores: “Eu sempre digo que não trabalho por dinheiro, trabalho por amor à natureza e aos animais”, afirma.
A propriedade de Eva Abufaiad está entre as cerca de 1.500 que serão visitadas pelo Censo Agro na metade norte da Ilha do Marajó, mas, ao contrário de muitas outras na região, é de fácil acesso para os recenseadores. Em outras fazendas criadoras de búfalos na ilha, sobretudo em partes alagadas, chega-se apenas de barco. Uma curiosidade sobre os búfalos é que são excelentes nadadores; há, inclusive, uma lenda que diz que os bichos chegaram pela primeira vez ao Marajó na última década do século XIX depois que um navio que os levaria da Indochina (região em que se situam Vietnã, Laos e Camboja) à Guiana Francesa naufragou perto da costa. “Mas a versão oficial e verificável é a de que os búfalos começaram a ser importados da Itália e da Índia na década de 1930”, afirma Rocha. Ainda assim, é a lenda que ajuda a explicar o nome exótico das raças (Carabao, Murrah, Jafarabady, entre outros) aos turistas que, rindo, aceitam a versão lúdica sem contestar.
O Pará conta com 26 subáreas, entre as quais se dividirão os mais de mil recenseadores que devem ser distribuídos em campo para a coleta de dados do Censo Agro 2017 – atualmente, cerca de 60% dos pesquisadores já estão realizando entrevistas. Até o início de novembro, quando a operação completou um mês em campo, 10% dos estabelecimentos haviam sido recenseados, o que corresponde a cerca de 20 mil propriedades. Curiosamente, o primeiro questionário do Censo Agro coletado no Pará foi do Soure.
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